Susana Gaspar

 
Susana Gaspar no papel de 1st Innocent, na ópera "O Minotauro" the Harrison Birtwistle (crédito: Bill Cooper/Royal Opera House)

Susana Gaspar no papel de 1st Innocent, na ópera "O Minotauro" the Harrison Birtwistle (crédito: Bill Cooper/Royal Opera House)

 
Susana Gaspar como Papagena e Christopher Maltman como Papageno, na ópera "A Flauta Mágica" (crédito: Mike Hoban/Royal Opera House)

Susana Gaspar como Papagena e Christopher Maltman como Papageno, na ópera "A Flauta Mágica" (crédito: Mike Hoban/Royal Opera House)

Entrevista com Susana Gaspar

Susana Gaspar (Lisboa, 1981) é uma das mais promissoras cantoras da actualidade. Termina agora a sua residência na Royal Opera House, ao abrigo do programa Jette Parker Young Artists, que a viu interpretar papéis como Papagena (Flauta Mágica) e Barbarina (As Bodas de Fígaro) no palco da prestigiada casa de ópera londrina. Recentemente foi nomeada para participar na Queen Sonja Competition e representou Portugal no BBC Cardiff Singer of the World. Em 2011, Susana cantou as Rückert Lieder de G. Mahler, acompanhada ao piano por Dinis Sousa (maestro da Orquestra XXI). O instrumento muda e, agora com orquestra, os dois músicos voltam a encontrar-se com a mesma peça para um momento que se aguarda com grande expectativa.

Orquestra XXI: Este ano foste seleccionada para dois dos mais importantes concursos da actualidade [BBC Cardiff Singer of the World e Queen Sonja Competition]. Serão estes concursos uma condição para que, actualmente, um cantor possa desenvolver a sua carreira?

Susana Gaspar: Acho que é sempre bom participar, mas o caminho não é o mesmo para todos, isto é, não há um caminho que conduza directamente ao sucesso. A exposição que se consegue e o facto de se ser ouvido(a) por directores de casting, encenadores, etc, pode ser muito importante; mas cada artista tem o seu próprio caminho a percorrer para chegar onde pretende. Em suma: os concursos podem ajudar, mas não são essenciais para uma carreira começar.

Além de que a tua carreira já tinha começado antes de apareceres no BBC Cardiff Singer of the World, já que a tua participação foi proposta pela própria Royal Opera House (ROH). Agora que terminas os dois anos de Jette Parker Young Artist, na ROH, qual achas que foi o aspecto mais positivo de por lá teres passado?

O mais positivo foi o contacto diário com artistas do mais alto nível, sejam eles cantores, maestros ou encenadores, e de estar no palco quase todos os dias. A experiência na ROH foi sem dúvida uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida, tanto a nível profissional como humano. É uma casa absolutamente fantástica, tem uma equipa excepcional.

Agora que terminas, quais são as perspectivas e de que forma é que a ROH poderá ajudar-te?

O facto de ter estado estes dois anos na ROH já foi uma grande ajuda, mas a ajuda mais directa que a ROH pode agora dar-me é o facto de, para o resto da minha vida, poder usufruir de sessões com os artistas da ROH, nas quais posso preparar o repertório que estiver a trabalhar, com pianistas, maestros, professores de línguas, etc. De graça! [risos]

Durante dois anos intensivos de ópera, tiveste algum espaço para trabalhar Lied?

Sim, embora não tanto como quando estava a estudar na Guildhall [School of Music and Drama]. Nestes dois últimos anos, a grande maioria do meu tempo foi destinada à ópera, mas tínhamos sempre recitais para preparar e, por isso, tive a oportunidade de trabalhar algum repertório Lied.

Com a Orquestra XXI vais cantar as Rückert Lieder. Tens alguma relação especial com estas canções?

Sim, a primeira vez que as cantei foi num dia muito importante. E uma das minhas cantoras preferidas tem, para mim, a melhor interpretação dessas canções.

A Jessye Norman?

Sim!!!

O repertório que mais gostas de ouvir é também aquele que mais gostas de interpretar?

Normalmente sim, mas há também repertório de que gosto muito e que não canto.

Na ópera, quais são os papéis principais que tens interpretado? Quais achas que farão parte do teu repertório, no futuro?

Tenho feito alguns, mas os dois maiores que já fiz foram o de Mimi [La Bohème, G. Puccini] e o de Violetta [La Traviata, G. Verdi]. Estes são, sem dúvida, dois dos papéis que voltarei a fazer futuramente. Quanto a outros, é difícil dizer: vou fazendo conforme as possibilidades que forem surgindo e é difícil enumerá-los.

Estiveste há umas semanas na Nova Zelândia, depois foste a Oslo e durante o ano estás constantemente a cantar em Londres, mas são raras as vezes em que actuas em Portugal. A tua ida para fora terá acabado por fechar algumas portas dentro de Portugal?

Não fechou portas, mas impossibilitou-me de estar disponível para ir a Portugal. Talvez, por não estar em Portugal, algumas pessoas não saibam sequer que eu existo ou não conheçam o meu trabalho. Mas espero que, com os concertos da Orquestra XXI, essa situação possa mudar. Gostava muito de poder trabalhar mais em Portugal e espero que possam surgir algumas oportunidades.

Que conselhos consideras mais importantes para um(a) jovem que esteja a equacionar o canto como uma actividade profissional? Que formação deve procurar? Que perspectivas se lhe poderão abrir?

Ter muita força de vontade, nunca desistir, não deixar que os obstáculos que aparecem nos façam mudar de ideias e nos façam desistir dos nossos sonhos e daquilo em que acreditamos. Não é uma vida fácil, e tende a ficar mais difícil. Há muita competição e, muitas vezes, a competição não é justa. Mas, mesmo que às vezes pareça impossível alcançarmos o que sempre desejámos, temos de pensar no público e no prazer que nos dá estar em cima de um palco e termos o privilégio de poder partilhar a nossa arte, os nossos sentimentos, a nossa maneira de ver o mundo com os outros. O facto de tocarmos no coração de alguém deve ser o suficiente para nos dar a força necessária para lutar. Um outro conselho que posso dar, mais ao nível prático é o de nunca pensar que já se sabe tudo e que uma batalha já está ganha; nunca nos acomodarmos, mas antes, procurarmos sempre mais. Temos que ser generosos, principalmente com os nossos colegas, e não perdermos tempo a criticar os outros, pois cada pessoa tem algo de especial. É importante aproveitarmos o tempo para nos instruirmos em línguas, na música e para nos cultivarmos.

A propósito dos obstáculos de que falaste e dos caminhos diferentes que cada um deve seguir, os teus últimos três anos têm sido cheios de sucesso, mas tu própria és exemplo de como nem sempre as coisas correm bem logo desde o início.

Sim, quando estava na Guildhall, concorri duas vezes ao Curso de Ópera da escola e nunca entrei. Acabei por fazer um mestrado diferente e, no final, fui finalista da Gold Medal, o concurso mais importante da escola. No mesmo verão, interpretei a Mimi com a British Youth Opera e fui seleccionada para o National Opera Studio (NOS). Daí, entrei directamente para a Royal Opera House. Ou seja, há males que vêm por bem - o facto de não fazer o Curso de Ópera da Guildhall deu-me a oportunidade de estar disponível para entrar no NOS e, depois, na ROH. No final, tudo apareceu e aconteceu no tempo certo; a vida é cheia de perdas e conquistas: o importante é aprender com essas experiências e saber aceitá-las. Se aceitarmos as perdas, é mais de meio caminho andado para estarmos preparados para as conquistas. As pessoas não têm todas que ter um percurso igual - este está a ser o meu.

Para terminar, há algum projecto que gostasses especialmente de realizar num futuro mais distante?

Tenho muitos: uns mais distantes, outros mais próximos. Adorava cantar a Violetta na ROH e adorava voltar a ser dirigida pelo Antonio Pappano, desta vez num papel principal.


Susana Gaspar interpreta as Rückert Lieder de G. Mahler com a Orquestra XXI entre os dias 4 e 7 de Setembro. Mais informações em concertos.